Stronger.

Digamos que eu poderia ser só uma garota “normal”, uma adolescente que leva a melhor vida possível, vive cheia de amigos e tem sempre um sorriso em seu rosto, mas não é bem assim.
Meu nome é Aline, tenho apenas 16 anos, mas o que vou relatar começou quando tinha meus 15 anos.
Já era tarde da noite quando aconteceu pela primeira vez. Lembro-me bem das primeiras sensações. Sentada em meu sofá para mais uma seção de filmes, um mal estar me toma por inteira, me dirijo para o banheiro e é quando tudo começa. Pela primeira vez me olhar no espelho se tornou uma tortura, aquela não era eu. Pensava em como tinha engordado de uma hora para outra, ou pior, me tornado uma baleia repentinamente. A resposta era óbvia, tantos salgadinhos e refrigerantes só podiam dar nisso. Nesse momento algo estranho acontece, era como se tivesse sido tomada por um desejo imenso de me livrar daquele peso que existia dentro de mim. E como quem ajoelha para rezar, me ajoelhei diante o vaso e de uma vez só sinto meus dedos descerem o mais fundo que podiam por minha garganta, então sinto aquele liquido subir e se derramar no vaso. Céus, que sensação era aquela? Difícil por em palavras a melhor sensação que já tive em toda a minha vida, um misto de leveza e prazer inigualável. Pensem na sensação ao comer chocolate, nutella, doritos ou tomar refrigerante, pois é, nem se compara. Ao apoiar minha cabeça em meus braços pela primeira vez, sinto que precisava daquilo, e realmente precisei.
Os dias se passavam e aquele vicio crescia dentro de mim. Me sentindo bem ou mal eu precisava daquilo, é estranho falar, mas se tornou parte de mim. Tornei-me dependente, como quem se torna dependente de álcool ou drogas e o pior, eu gostava. A cada bala que eu chupava meu estomago entendia como se fosse uma pizza inteira, que ele não seria capaz de suportar. Então a única saída era correr para o banheiro mais próximo e “aliviar” aquela angustia em meu peito, ou melhor, meu estomago.
Muitos hoje me perguntam quantas vezes por dia isso acontecia se existia algum padrão de acordo com minhas refeições. Não existia um padrão porque não existiam refeições. Nos momentos de nervosismo, lembro-me de atacar a cozinha e não sobrar nada lá. Comia e comia, e quando não restava nada para comer era quando o peso na consciência batia. Como me sentia? É algo inexplicável. Achava-me uma idiota, uma gorda, gorda e idiota, cheia de problemas sem solução, e uma saída para um alivio rápido e que eu sei que viria, era me livrar de tudo o que havia devorado ferozmente, e assim como já sabem, meu refugio era o banheiro, ajoelhada diante o vaso.
Enquanto escrevo isso alguns me perguntam: “Como é?” “Como funciona?” eu poderia dizer que é muito simples e que todos conseguiriam fazer, mas não é bem assim. Para mim se tornou uma rotina, algo que acontecia o tempo inteiro, mas para muitos, enfiar os dedos na garganta não é algo considerado normal.
Mas é exatamente assim, não é nenhum bicho de sete cabeças, e era assim que meu alivio vinha. Uns dedos na garganta e eu ficava muito bem. O que eu fazia com a palidez pós vomito? Ah, nada que uma maquiagem não resolvesse.
E assim eu fiquei durante muitos meses, vivendo de desculpas, até que começaram a notar. Bermudas, calças, tudo começou a ficar largo e a cair. Com um tempo nem maquiagem escondia meus olhos fundos. Literalmente já havia me transformado num esqueleto ambulante.
Perguntas começaram a vir de todos os lados: “Porque está tão magra?” “cadê sua bunda, sua coxa?” Nada também que algumas desculpas esfarrapadas não resolvessem certo? Pois bem. As pessoas não perguntavam diretamente, mas já percebia as olhadas que elas davam ao longe.
A situação piorou no final do ano, quando descobri que tudo iria mudar de verdade, eu iria ter que sair do lugar onde vivi 16 anos de minha vida, para uma cidade completamente diferente, sem ninguém que eu conhecesse. Minha vida realmente estava para mudar. No dia em que parti senti como se parte de mim tivesse ficado para trás. Deixei amigos que havia conquistado durante muitos anos, deixei namorado que veria agora raramente, no fim, deixei minha vida. Enquanto ia embora, sentia meu estomago revirar, não havia comido nada, muito menos exagerado na dose, mas precisava aliviar aquela dor imensa que estava sentindo, foi quando percebi que eu não precisava comer para fazer aquilo, bastava meu emocional se abalar um pouco que eu precisava me aliviar. Foi quando tudo piorou.
Com a mudança de cidade, mudança de vida, rotina e tudo mais, tudo piorou. Eu sentia saudade dos meus amigos o tempo todo comigo, da minha família, meu namorado e minha antiga vida, chorava constantemente por trás das pessoas, sozinha, em meu lugar de refugio, e a única saída para que aquela dor passasse vocês já sabem qual era. Corria para o banheiro e me livrava daquele peso que existia dentro de mim. Não é exagero, mas eu praticamente morava dentro de um banheiro.
Com o passar do tempo, nenhuma roupa cabia mais em mim, tudo o que eu vestia caia, despencava para ser mais exata. Minha palidez era constante e maquiagem não resolvia. Meus dedos viviam enrugados, e minha boca seca. Reclamava constantemente de garganta arranhada e estômago ardendo, quando desmaiei pela primeira vez enfrente ao meu pai. Foi à gota d’água. Lembro-me de acordar numa cama de hospital, meu pai e irmão de um lado conversando com um médico, e uma enfermeira mexendo no meu soro. A primeira coisa que pensei foi que iria descobrir por dentro eu sabia que mais cedo ou mais tarde isso aconteceria, apesar de torcer para que ninguém jamais descobrisse. Quando o médico percebeu que eu havia acordado, foi o primeiro a se dirigir até mim. Não me recordo direito de suas perguntas, mas a que mais me chamou atenção e me fez despertar, foi sem duvidas quando ele falou: “Querida, eu quero que me responda com muita sinceridade tudo bem?” E eu concordei. “Você induz o vomito? Quero dizer, você força?” E eu não podia negar, estava na frente de um médico e de uma enfermeira, não sabia quanto tempo tinha passado desmaiada, por isso não sabia quantos exames já tinham feito ou o quanto já havia me examinado. Era chegada a hora, eu tinha que contar. Então o fiz. “Sim Dr. Eu forço, todos os dias, o tempo inteiro.”
Foi quando ele me olhou nos olhos, não sei até hoje traduzir o olhar que ele me deu, mas ele respirou fundo segurou minha mão e disse com todas as letras: “Você tem uma doença, uma doença grave, um distúrbio alimentar que precisa ser tratado, você tem bulimia.”.
Naquele instante vi os olhos de meu pai se enxerem de lágrimas, meu coração deve ter parado por alguns segundos, não sei quanto tempo demorei a voltar à vida. Mas minha primeira reação fora negar, negar e chorar. Eu sabia tudo o que andava fazendo há meses, eu tinha ciência de tudo, mas aceitar ter bulimia, chegar aquele ponto, não estava nos meus planos. Então médico pede para ficar a sós comigo, e disse que como não era especialista naquele assunto, iria me encaminhar a um colega que trabalhava com aquilo, mas que eu podia ficar tranquila que sairia daquela, e sairia por cima.
Então, na mesma semana comecei a uma bateria de exames, e estava toda desregulada, tudo em mim estava abaixo do correto para uma garota da minha idade. Comecei a frequentar psicólogos e grupos de apoio. Tinha exames marcados ao menos uma vez por semana para fazer um checape e acompanhar minha evolução. Ganhei uma dieta controlada de presente, que garanto que é muito difícil de ser seguida. E ganhei também mil olhos me vigiando. Minhas idas ao banheiro eram controladas, ao menos no inicio. Porém, nem tudo eram flores. Aquilo não tinha acabado, pelo contrário, estava apenas no começo.
Quando comecei a aceitar minha situação, foi quando tive coragem para contar a dois amigos, na verdade uma irmã, e meu melhor amigo. Naquele momento, me senti mais forte. As palavras de apoio, a forma como me aceitaram e aceitaram meu estado, me fez ver e entender pela primeira vez que eu não estaria sozinha naquela, e a preocupação e apoio dos dois, fora de extrema importância para mim, não me sentir sozinha foi fundamental.
Mas todo aquele controle me deixava doida. Remédios e mais remédios, toda ida ao banheiro uma pergunta do que iria fazer ligação de cinco em cinco minutos para saber como estava aquilo me deixou louca. Foi quando tive uma recaída, uma recaída brusca. Considero aquele, de longe o pior de todos. Tranquei-me no banheiro as sete da manha e só sai de lá duas horas da tarde, quando tinha chegado ao meu extremo, já não havia mais nada para vomitar, então vi escorrer de minha boca, sangue. Meus dedos estavam vermelhos e enrugados, minha garganta ardia. Sai do banheiro e me dirigi ao quarto, onde meu irmão jogava P2. Só me lembro de abrir a porta, sussurrar alguma coisa e então cair desmaiada no chão. Depois disso acordo novamente numa cama de hospital, onde sou obrigada a ficar por dois dias para que me vigiassem e meu corpo se recuperasse de um dia de tortura.
Foi quando meu pai tomou uma decisão, eu precisava voltar para minha pequena, porém perfeita cidade. Estar perto das pessoas que eu gosto, e amo. E foi a melhor coisa que ele podia ter feito. Lembro-me de quando fui me despedir de meus médicos, um misto de felicidade e preocupação tomava conta de mim, mas eu não podia estar mais feliz. Despedi-me de cada um deles, sabia que não seria um adeus pois aquilo não havia acabado, tanto é que visito eles ao menos uma vez por mês até hoje. Mas o dia que entrei no carro, com todas as malas ali dentro e me vi na estrada, finalmente pude falar: “estou indo de volta pra casa”. E foi a melhor sensação que tive depois de meses de tortura comigo mesma, depois de meses de agonia, tristeza, raiva e mais qualquer coisa que eu não pude identificar bem. E quando finalmente cheguei e pisei em terra, senti lágrimas escorrerem por meu rosto, de felicidade é claro, mas além de estar feliz por ter voltado, pela primeira vez senti que era forte o suficiente para superar aquilo. Foi quando várias outras pessoas além dos dois que eu havia contado souberam de minha situação, e mais pessoas me deram uma força enorme, da qual eu precisava muito.
Chegando ao fim dessa história, não posso escrever um belo final, pois essa história ainda não teve um fim. Ainda não posso dizer que superei, nem que tudo que lhes relatei é passado. Mas o que posso dizer é que finalmente esta chegando ao fim. Estou quase sendo curada, e hoje já me sinto mais forte, mais feliz quem sabe, para poder relatar a vocês tudo isso. Sem duvidas, isso é um enorme passo para mim. Hoje tenho outras formas de alivio, e já me sinto melhor em relação ao meu corpo. Meus problemas não me afetam tanto ao ponto de ter que me trancar no banheiro e passar horas lá. Não digo que não acontece, acontece e nos últimos tempos estava acontecendo com mais frequência, porém, tomei frente da situação e tomei controle de tudo.
Bem, não é um fim, ainda não. Também não posso escrever que vivi feliz para sempre, pois do futuro nada sei, mas posso dizer que com esse texto, dei um enorme passo em minha vida.  Como não tenho um fim certo, deixo com vocês parte da tradução de uma das musicas que me incentivam a ir além, de uma das pessoas que com sua história, me incentivam a sair dessa.
Bem, não é o fim, ainda não.
Segui o caminho errado
Uma ou duas vezes
Cavei até conseguir sair
Sangue e fogo
Decisões ruins
Tudo bem
Bem vindo à minha vida boba. Fuckin' Perfect. Pink.



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