O beijo!

Nunca pensei que fosse ter coragem o suficiente para escrever sobre essa história, esse dia, sobre nós dois. Por muitos anos acreditei fielmente que não precisaria colocar para fora todas essas lembranças que a muito guardo em minha alma, onde possuo uma caixinha especifica para você, mas nesse momento tudo que eu mais quero é tentar transcrever para o papel o que sinto em meu coração.

Eu jamais o descreveria como alguém que me fez bem, que contribuiu com meu crescimento pessoal ou qualquer adjetivo que as pessoas gostem de usar para mascarar o quão ruim foi ter conhecido uma pessoa e tentam se enganar até o último instante. Foi péssimo ter lhe conhecido, foi péssimo termos nos aproximado, foi pior ainda quando nos distanciamos.

Jamais vou me esquecer da primeira vez que o vi, você era apenas amigo do meu melhor amigo, nos encontramos na casa dele para uma sessão de Harry Potter. Minha melhor amiga estava ao meu lado no momento em que nossos olhares se cruzaram pela primeira vez, e me lembro perfeitamente dela sussurrar em meu ouvido o quanto tinha lhe achado lindo. Não neguei, mas também não concordei, naquela época enfrentávamos um problema enorme de que todos os meninos que ela achava bonitos acabavam querendo ficar comigo, então apenas lhe cumprimentei e engoli minha concordância. Eu jamais admitira que lhe achava bonito, pois sei que se acontecesse, era o coração dela que eu partiria.

Sobre você, era mais velho, bem mais alto do que eu, jogava handebol e tocava bateria, se alguém não se encantasse por seu jeito com certeza era uma pessoa com um caráter duvidoso, você podia não valer nada, mas era impossível não sentir o estômago revirar quando você sorria. Fizemos uma longa sessão de filmes naquela tarde, dos quatro apenas eu e meu melhor amigo é que gostávamos de Harry Potter, então você e minha amiga acabaram se aproximando através de piadas ou questionamentos sobre os filmes que não entendiam muito bem. Eu percebi apenas pelo brilho nos olhos dela o quanto ela estava gostando de você, foi que nem mágica, instantâneo, não era possível que você tinha esse efeito sobre as pessoas. Ninguém tinha.

Após esse dia nos encontramos tantas vezes que eu perdi a conta. No final das contas, meu melhor amigo criou uma banda e o convidou para ser o baterista, as saídas de final de semana tornaram-se recorrentes e nos conhecíamos cada vez mais. Minha melhor amiga se apaixonava cada dia um pouco mais, apesar dos avisos constantes de todas as pessoas possíveis de que o mesmo não valia nada, não teve nada que pudéssemos fazer, foi amor à primeira vista.

O tempo passou, eu assumi um relacionamento com uma pessoa maravilhosa e nos afastamos, até porque por sorte do destino, após alguns meses eu me mudei de cidade. Fui para longe e não só fisicamente, mas mentalmente acabei me afastando dele, não que naquele momento eu sentisse a falta que ele me fazia, não havia tempo para sentir, eu estava em um relacionamento ótimo, fazendo novos amigos em uma nova cidade. Até que meu relacionamento acabou, jovens, imaturos, com muita distancia inclusa no pacote, simplesmente terminamos, e eu, ao invés de colocar a cabeça no lugar e focar pela primeira vez em mim mesma, dei uma chance a um menino doce e gentil que a muito havia demonstrado sentimentos por mim.

E foi nesse momento que tudo mudou, pois eu iria voltar para a minha cidade. Todo meu novo círculo de amizade e meu mais novo amor ficariam para trás, e o coração sendo partido novamente em tão pouco tempo. Ao voltar para minha antiga cidade era como se estivesse começando do zero, a escola era a mesma, os amigos os mesmos, mas a turma não era mais a mesma, eu já não era a mesma de quando parti.

Voltei em uma época do ano da qual gosto muito, exatamente na minha festa preferida. Era Corpus Christi, a festa que lota as ruas da cidade e todos podem andar no meio da rua sem preocupação alguma por algumas horas, eu amo o clima da festa, o quanto as pessoas ficam felizes e gentis e o quanto eu fico grata nessa época do ano. Eu estava retornando para a minha antiga vida e havia tido a melhor recepção com a minha festa preferida.

Era quinta feira de Corpus Christi e eu jamais poderia imaginar que aquele dia acabaria daquela forma. Como todos os anos, eu e minhas amigas saímos para aproveitar, e aquele ano estava excepcionalmente cheio, era difícil de caminhar sem nos perdermos, então decidimos dar as mãos bem forte para não soltarmos de forma alguma, andamos assim por toda a avenida e tudo estava fluindo bem, até o momento em que eu o vi, junto ao meu melhor amigo. Como todos nos conhecíamos, paramos em uma parte da rua na qual não haviam tantas pessoas assim para nos cumprimentarmos, pois eu ainda não havia visto meu melhor amigo desde que voltei a cidade.

E foi então que aconteceu. Lembro-me exatamente do momento em que ele parou na minha frente com seus quase dois metros de altura, me olhou no fundo dos olhos e disse com todo o charme que eu nunca vou saber de quem herdou, “fiquei sabendo que você terminou, é verdade?”. Não me disse um oi e muito menos me perguntou como eu estava, apenas disse isso, e eu estática como estava, apenas respondi que sim, o encarando da mesma forma que ele fazia comigo. E então eu senti, ninguém previu ou pode fazer algo, ele colou os lábios no meu e me beijou como ninguém havia beijado desde então. Eu não tive reação a não ser retribuir, até me dar conta de que ainda segurava a mão da minha melhor amiga, que sim, ainda era apaixonada por ele.

Aos poucos ele me soltou, sorriu e disse que depois nos víamos, e então junto ao meu melhor amigo que estava com a maior cara de confuso que eu já o vira fazer na vida, ambos saíram e nos deixaram plantadas, no meio da rua rodeadas por pessoas desconhecidas, enquanto minha cabeça zonza tentava decifrar o que havia acabado de acontecer. Naquele momento um turbilhão de pensamentos me assolava, mas o maior deles era que eu ainda segurava a mão da minha melhor amiga enquanto eu beijava o menino pelo qual ela era apaixonada. Que merda.

Saímos dali e procuramos um lugar mais tranquilo e tivemos então a temida conversa, a conversa que eu sempre odiava. Ela admitia ser apaixonada, nós chegávamos a conclusão de que ela não ficaria com ele pois ele era na verdade, afim de mim, e eu sempre saia com a consciência pesada dessa situação, e aquele momento tinha tudo para ser assim, se não fosse o fato de eu ter retribuído o beijo.

Se me pedissem para descrever o momento daquele beijo eu não teria palavras, pois sem duvida alguma foi todo o meu clichê de romances acontecendo da forma mais surreal possível, mas naquele momento tudo que importava era minha melhor amiga e como ficaríamos depois daquilo. Bom, a questão é que quando uma situação já está ruim ela pode sim piorar, e provavelmente vai acontecer. E aconteceu. Nessa época havia uma rede social que estava em alta, o nome era ask.fm, era um site de perguntas, no qual as pessoas podiam criar suas contas e fazer/receber perguntas de outra conta, inclusive anonimamente, e foi nessa rede social que meu mundo ruiu. Eu havia beijado no meio de milhares de pessoas, o garoto pelo qual minha melhor amiga era apaixonada, vocês devem imaginar o que eu recebia na minha caixa de perguntas de forma anônima.

Algum tempo se passou, as coisas foram se acalmando na medida do possível e nós resolvemos enfim conversar sobre nós dois. Decidimos que poderíamos sim ter algo, mas sob os panos, pois nenhum dos dois gostaria de assumir algo naquele momento e muito menos machucar pessoas que amávamos. E foi o que fizemos. Passamos os melhores finais de semana fazendo o que fazíamos de melhor juntos, vivemos dias inesquecíveis que nem sei se minha mente será capaz de apagar um dia, foi intenso, foi elétrico, foi doce, foi único, foi real. E então chegou ao fim.

Em um belo dia de muita chuva, estávamos sentados na escada da casa dele e num determinado momento nos entreolhamos e sabíamos, nós sempre soubemos, nosso tempo havia acabado. Não que tivéssemos determinado um prazo para aquilo que estávamos vivendo, simplesmente sabíamos que não duraria para sempre, e naquele momento nós entendemos que havia chegado ao fim. A chuva conseguiu mascarar nossas lágrimas e o quanto aquele momento doía em nossos corações, e da mesma forma intensa que começou, acabou, para sempre.

Meses depois você partiu e a verdade começou a aparecer. Você machucou seu próprio amigo ao ficar comigo pois sabia desde o começo que ele era apaixonado por mim, a melhor amiga dele, e conforme o tempo foi passando descobríamos cada vez mais coisas, até chegar na fatídica, na pior de todas. Eu havia sido uma aposta, uma aposta para magoar uma pessoa que eu amava com todo meu coração. Eu não passei de uma aposta.

O engraçado é que mesmo quando decidimos não assumir nada, eu sei que eu teria segurado uma granada por você, eu teria mentido por você, eu teria feito o que fosse preciso case fosse necessário, e no final, descobri que não havia significado nada para você. O tempo passou, e com muito custo, depois de muitas noites em claro, nós o superamos, digo nós pois todo um círculo de amizade havia sido afetado graças a você. Demoramos muito para juntar todos os nossos pedaços depois do caos que você deixou, mas conseguimos, nós conseguimos.

Hoje eu me lembrei de você para escrever sobre isso, e ao me pegar pensando em você eu não torço para que sua vida tenha sido ruim ou que alguém tenha o feito passar pelo mesmo que nós passamos, na verdade eu torço para que você tenha crescido e tenha entendido que o que fez conosco não serviria de nada em sua vida. Para nós serviu, nós nos tornamos mais fortes e cautelosos com quem deixávamos entrar em nossas vidas. Eu torço para que você tenha encontrado um tipo de paz e de vida que não precise machucar as pessoas dessa forma.

Na verdade, eu torço para que em seus sonhos a imagem daquele beijo o atormente como me atormentou por anos, para que você nunca esqueça do que fomos naquele instante, do quanto éramos um só mesmo rodeados por milhares de pessoas.

Eu torço para que você consiga amar alguém como eu te amei durante aquele beijo e durante todas as noites que passamos juntos, mas principalmente, eu torço muito para um dia poder lhe dizer pessoalmente, “vai se foder”.

Referência da imagem:

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