2020

 

O ano era 2020, e só em falar o número muitos de vocês podem assimilar com a pandemia que assolou o mundo. Mas não é sobre isso que vamos conversar hoje. Era o meu último ano na faculdade, finalmente me formaria após quatro longos anos presa a instituição. Não que isso fosse absolutamente ruim, mas é papo para uma outra história.

Nada assusta mais um graduando do que último ano de graduação e o temido tcc, quantas dúvidas e incertezas pairam nossas cabeças nesse momento no qual toda e qualquer decisão que você tomar, pode e deve afetar seu futuro. Começamos o ano sem grandes surpresas, a mesma ladainha de sempre, os mesmos professores dos outros anos e claro, os mesmos rostos familiares lado a lado como já era de costume. Tudo ia bem, caminhando como planejávamos desde o início, quando ao deixar a faculdade em uma sexta-feira como outra qualquer, soubemos que por pelo menos quinze dias não retornaríamos.

Após o carnaval, um vírus do qual nunca havíamos ouvido falar, havia chegado ao nosso país. Lembro de ver na internet um vídeo do apresentador do programa Big Brother Brasil abrindo a maior exceção já feita na história do programa, para comunicar aos participantes do que acontecia no mundo. Em nossa pacata cidade, as mudanças bruscas até então, consistiam na suspensão das aulas e atividades comerciais não essenciais. Um caso, um único caso, e a cidade parou completamente. Um caos!

Por cursar uma faculdade particular, perdemos apenas um único dia de aula antes de decidirem como seria os nossos quinze dias de isolamento. No final, optaram por uma plataforma na qual poderíamos ter nossas aulas como se estivéssemos presencialmente em sala de aula. Áudio e vídeo ligados constantemente. Mal sabíamos, mas estávamos conhecendo naquele momento, a plataforma na qual apresentaríamos nosso tcc no final do ano. 

Pandemia, isolamento, último ano de faculdade, ansiedade, tensão, tantos outros fatores e sentimentos que poderiam ser citados aqui, fatores esses que contribuíram para o que ocorreria comigo no decorrer desse trágico ano. Que fique claro que o que relatarei agora trata-se de uma visão minha sobre eu mesma, sobre o que enxergo ao olhar no espelho.

Aos dezesseis anos finalmente tomei coragem de admitir que enfrentava uma doença alimentar. Eu costumava dizer que a “bulimia é que me tinha”, pois ela me dominava e fazia parte da minha vida mesmo contra minha vontade. Precisei de muito apoio dos meus amigos e um bom acompanhamento psicológico para lidar com tamanha carga emocional. Lembro que havia me mudado da cidade na qual tinha sido criada, e a primeira vez que retornei para visitar, um grupo de garotos pelos quais eu precisei passar, riram e disseram “olha só, parece uma tábua”. Quando abracei um amigo que a muito tempo não via, o mesmo disse “apenas pele e osso em, tenho que tomar cuidado para não a quebrar”.

E realmente, todas as minhas roupas ficavam absurdamente largas, minha avó uma costureira nata, recusava-se a apertar pois ficaria horrível, além de sempre ter sido magra naturalmente, aquele momento ainda contava com o fator bulimia. Bom, precisei de alguns anos para de fato conseguir passar por isso.

E foi por saber que tinha finalmente conseguido sobreviver a esse fator, que quando no meio de um ano caótico me encontrei perdendo todas as minhas roupas novamente, e dessa vez não por emagrecer, que pensei “agora a minha vida desanda de vez”. Muitas coisas contribuíram para que em oito meses eu ganhasse na balança cerca de vinte quilos. O isolamento social, a ansiedade, a faculdade, o tcc, a invenção de moda na cozinha e um pouquinho da genética.

A cada vez que as notícias sobre o mundo pioravam, eu comia. Quando ficava com raiva da faculdade ou das pessoas, eu comia. Quando travava por conta do tcc, eu comia. Eu comia o dia inteiro, quer tivesse motivos, quer não. E quando minhas roupas deixaram de caber eu me entreguei por completo. Emagrecer? Claro que não, posso comprar roupas novas. E foi com esse pensamento que acabei ficando completamente insatisfeita com tudo que eu possuía no guarda roupa.

Que loucura, não? O mundo literalmente acabando lá fora, pessoas morrendo, preocupações infinitamente maiores que as minhas, e eu desapontada com o que via no espelho. Mas espera aí, será que eu preciso mesmo guardar isso só porque tem gente em situação pior que eu? Bom, acho que sim, pois eu guardei.

Um ano se passou, eu me formei dentro de um carro pois os eventos estavam suspensos por conta da pandemia, apresentei um tcc foda que foi a realização de um sonho, consegui um emprego na minha área e logo depois o perdi. Estou totalmente imunizada contra esse vírus horrendo que ainda faz parte da nossa vida, e sim, ainda estou vinte quilos acima do meu peso normal.

A vida seguiu, eu segui também, por algumas vezes tentei mudar, mas logo em seguida algo acontecia e eu voltava para a estaca zero, e está tudo bem, a vida tem dessas coisas. Talvez um dia eu esteja escrevendo sobre como consegui mudar ou sobre como me aceito cem por cento da forma que eu sou, ainda não sei, mas hoje eu escrevo para dizer a você caro leitor, que o mundo está um verdadeiro caos, o mundo todo segue de cabeça para baixo, e se você não consegue arrumar essa bagunça que esta dentro de você, saiba que é normal e que você não está sozinho.

Seja seu exterior sua melhor ou pior versão nesse momento, saiba que eu acredito que você, assim como eu, tem dado o seu melhor para sobreviver nesse mundo complexo e atípico no qual vivemos hoje, e novamente, está tudo bem. E se apenas isso não te confortar, saiba que em Harry Potter ele precisou de sete livros e uma longa história para apenas no final a autora dizer “tudo estava bem”. Bom, espero que não demore isso tudo para nós.

Enquanto isso me arrisco dizer, vai ficar tudo bem!


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