O casarão.

Meses haviam se passado, nenhuma palavra havia sido dita, nenhum sorriso e nenhum cumprimento, desde o mais doloroso fim. Muita coisa acontecera desde aquele dia, Ingrid havia superado mais aquele episódio de sua vida, assim como sempre superou quaisquer outros, seguia de cabeça erguida como assim havia garantido desde o inicio. Era um dia tranquilo em Hogsmead, Ingrid e Samantha passeavam pelas ruas calmas e silenciosas bem tardinha, o que deixava tudo tão estranho, uma cidade que costumava ser agitada e cheia de gente, se encontrava tão vazia, mas depois de tanto caminhar, Ingrid percebeu que não era a falta de pessoas que deixava a cidade daquele jeito, mais o seu próprio vazio tornava a cidade fria, e eu não estou falando do clima lá fora. As duas andavam por andar, vagamente, sem destino, cruzavam esquinas, esbarravam em pessoas desconhecidas a todo o momento, se olhavam como se quisessem dizer algo a outra, porém, nunca falavam. Cansadas de tanto caminhar sem destino, resolvem ir até o casarão abandonado, que apesar de sua aparência antiga, não se encontrava em nenhuma rua escura e abandonada, e sim bem no centro da cidade, era bastante frequentado, pois do terceiro andar era quase possível tocar o céu, muitos dizem que se a casa tivesse braços, ela acolheria a todos que a procuram num abraço interminável. Ao chegarem ao casarão notaram que estava vazio, assim como toda a cidade, o casarão nunca estava vazio, sempre tinha um ou outro que buscavam refugio um lugar para esquecer-se dos problemas e dificuldades do dia a dia, se dirigiram diretamente ao terceiro andar, onde se sentiam acolhidas e um pouco melhores. Era instantânea, a dor parecia se esvair quando chegavam ao quarto com a varanda gigantesca, onde as madeiras do chão já não tinham o mesmo brilho, muitas tábuas estavam quebradas e com partes pra cima, era preciso cuidado para não se machucar. Ingrid se dirigia até a varanda, parecia um longo caminho da porta até lá, aquele quarto era especial e ela podia sentir isso, ao chegar à varanda, se senta no chão mesmo empoeirado e sujo, Samantha vinha logo atrás, ao invés de sentar se deita no colo da amiga, juntas se sentem mais uma vez pertinho do céu.
-Sabe Ingrid, isso até parece mágica, o conforto que essa casa nos trás, este quarto então, nos faz sentir tão bem, como nunca nos sentimos antes, é como se tudo de ruim que existe simplesmente sumisse.
-É Samantha, já pensei nisso, mas é só um casarão antigo, abandonado, sem qualquer importância.
-Sem qualquer importância pra quem não tem olhos para admira-la de verdade, para quem não vê o quão bela esta casa é rica em tantos detalhes, e uma beleza tão pura e única, eu moraria aqui.
Ingrid não da muita importância a este ultimo comentário, se levanta e diz que vai dar uma volta pelo casarão, enquanto isso Samantha permanece sentada a admirar o imenso céu a sua frente, e quase podia toca-lo. Ingrid em sua aventura pelo casarão passa a perceber os tais detalhes que Samantha havia falado, a casa era majestosa, seus quartos enormes, suas salas então gigantescas, sua cozinha magnifica. Cansada de observar resolve voltar ao quarto onde Samantha estava, chegando lá, não a vê em lugar nenhum, a deixara bem ali, sentada no chão da varanda quando saíra, porém ela não estava mais lá, nem mesmo em nenhum lugar do quarto, mas ela não teria ido embora sem avisa-la, não mesmo, ou será que iria? Não, ela ainda estava no casarão. Ingrid começa a gritar em busca de sua amiga, mas nada dela responder, procurou até embaixo de uma velha cama que havia no quarto e nada, depois de muito procurar, quando já estava desistindo, Ingrid repara um velho quadro que havia no quarto, era um quadro antigo que tinha um retrato, era uma bela moça, e de certa forma lembrava um pouco a ela mesma. Ingrid ficou parada, admirando o quadro, e se esquecera por um momento até mesmo de Samantha. Passado uns dez minutos apreciando o quadro da bela moça, algo inusitado acontece, o quadro começa a se mexer e a parede se abrir, eis que surge Samantha, e só então Ingrid se da conta de que estava procurando a amiga, se esquecera completamente disso.
-Ingrid, você não vai acreditar, eu estava explorando o quarto e me deparei com o quadro desta bela moça, resolvi toca-lo, e do nada a parede se abriu, dando a ver uma passagem toda iluminada, resolvi segui-la e você não tem ideia do que encontrei.
Samantha não parava de falar, quando finalmente conseguiu se calar foi quando já perdera o ar. Ela da à mão a amiga, e resolve apertar o quadro, Ingird só acreditaria vendo. Samantha vai à frente e guia Ingrid pelo longo túnel, que ao contrário que se espera é um túnel iluminado e nada escuro, cheio de luzes e não aparentava ser tão antigo quanto o resto da casa. No fim do túnel havia uma porta que já estava aberta devido a recente entrada de Samantha ao local, as duas entram e Ingrid fica maravilhada com o que vê, era uma sala antiga, porém iluminada, cheia das joias mais belas e raras que já vira na vida, na verdade nunca tinha visto joias tão belas quanto aquelas, havia de tudo que se pode imaginar, diamantes, esmeraldas, das menores até as maiores joias já vistas.
- De quem é isso tudo Samantha? Não podemos ficar aqui.
-Acalme-se Ingrid, eu sei de quem são.
É quando Ingrid olha para o lado e percebe que não estão sós, em uma cadeira de balanço daquelas que lembram a vovozinha de Chapeuzinho Vermelho, estava sentada uma senhora, uma bela senhora na verdade, e Ingrid a reconhecera na mesma hora, ela era a bela moça do quadro que Ingrid estava admirando minutos antes.
-Bem vinda Ingrid, me chamo Minerva, não se espante, por favor. Sou dona do casarão que vocês consideram “abandonado”, sim eu sei que ele está maltratado, caindo aos pedaços literalmente, mas eu vivo aqui, na verdade, sempre vivi. Acontece que minha casa é a mais antiga da cidade, ela está aqui no mesmo lugar há muitos anos, só que as coisas lá fora foram ficando cada vez maiores, e resolvi me isolar. São poucas as pessoas que sabem da minha existência, pois pouquíssimas entram aqui com o intuito de explorar, como você disse, pessoas vem aqui para se distrair dos problemas lá fora, entram, choram, e saem, é um ciclo que nunca se acaba, mas ninguém percebe as riquezas que esse casarão esconde.
Passava tanta coisa pela cabeça de Ingrid agora, que ela mal podia organizar seus pensamentos para que saísse quaisquer palavras de sua boca, então Minerva continuou a falar.
- Vivo aqui embaixo sozinha mesmo, isso aqui é enorme como pode ver, por ali tem outro corredor que da direto em uma cozinha, para o outro lado tem um grande quarto e um imenso banheiro, apesar de estar sozinha a maior parte do tempo, sempre tem alguém que se aventura pelo belo quadro e conhece minha história. Na verdade vim para esta cidade quando ela ainda era um projetinho, minha família construiu esse casarão quando eu ainda nem era nascida, cresci aqui, e não consegui me desfazer, meus parentes foram morrendo aos poucos e eu acabei sozinha, o casarão é imenso para uma só pessoa, então prefiro viver aqui embaixo.
-Mas dona Minerva, a senhora nunca casou? Perguntou Samantha.
Naquele momento as duas puderam ver os olhos de Minerva brilhar, a coisa mudou de figura, Samantha pediu desculpas pela pergunta indelicada e Minerva sorriu, disse que não precisava de desculpas e se pôs a falar novamente.
-Bom, na idade de vocês eu me apaixonei, hoje posso dizer que foi a melhor época de minha vida, mas muita coisa aconteceu. No inicio ele era encantador, um verdadeiro príncipe para a época, meus pais já haviam morrido, restavam apenas alguns empregados e eu nessa imensa casa, ele me trazia flores, e mais ainda, promessas. Promessas de que encheria todos os quartos dessa casa com nossos filhos, que iria faltar espaço para tanto amor e alegria, ah meninas, me prometeu tanta coisa, e no final, a promessa foi desfeita. Ele partiu, sem ao menos dizer adeus, muito menos dizer para onde iria. Partiu e nunca mais deu noticia. Nunca mais o vi, nem ouvi falar, e também, nunca mais fui capaz de amar. Meus empregados aos poucos foram indo embora, nenhum morreu que eu tenha sabido, mas casaram entre si, e então, acabei só. Realmente, essa casa já foi um dia repleto de amor, talvez por isso tantas pessoas se sintam bem quando vem até aqui, e aposto que por causa de amor, vocês recorreram a casa hoje, e só uma foi capaz de enxergar além dessas grossas paredes.
Na verdade sim, pensaram as duas juntas, ao brigar com aquele cujo Ingrid considerara o amor de sua vida, ela liga para a amiga Samantha e a convida para um passeio, um passeio sem rumo, sem direção, um passeio que mesmo se as duas ficassem caladas, amenizaria a dor de Ingrid. Não se tratava de orgulho, se tratava de amizade.
Ingrid então entendeu o significado da frase “As aparências enganam”, entendeu que temos que olhar além do que nossos olhos conseguem enxergar, temos que aprender que nem sempre o que vemos realmente é. Aquele casarão velho e abandona guardava tantas histórias lindas e também tristes, que dona Minerva fizera questão de compartilhar com as garotas pelos dias que se seguiram. Elas passaram a visita-la frequentemente, e com o tempo, muitos na cidade conheceram sua história, com isso, o velho casarão foi reformado, porém, não lhe foi tirado sua verdadeira essência, seu aspecto de casa imperial foi mantido, sua beleza renovada. Aos poucos dona Minerva virou uma verdadeira contadora de histórias, e quanto mais os dias passavam, mais a casa ficava cheia, assim como o antigo amado de Minerva prometera. Vinham crianças de todos os lados, crianças, jovens, adolescentes, adultos e idosos, que viraram grandes amigos de Minerva. A casa continuou com o mesmo aspecto acolhedor de sempre, dona Minerva se mudara do subsolo para seu quarto que era seu por direito. O maior quarto da casa com a varanda gigantesca e o quadro da bela moça, fora reformado de cima embaixo, e era sem duvidas o quarto mais frequentado. Frequentemente dona Minerva via chegar ali meninas e meninos em prantos, esperando somente por um abraço, e esse abraço chegava. Dona Minerva com muita dificuldade caminhava até eles, os ouvia, e depois como uma avó que só quer o bem de seu neto, os colocava no colo e ficavam ali, fitando o céu que daquele andar, parecia estar muito perto.
3 anos se passaram, muitas histórias foram contadas, ouvidas, compartilhadas, nenhuma jamais esquecida, o túnel secreto de Minerva fora mantido bem longe dos visitantes, porém numa tarde calma, tranquila, assim como aquela que Samantha e Ingrid resolveram ir ao casarão, dona Minerva vem a falecer, e junto com ela, histórias que talvez não foram compartilhadas. Dona Minerva não morreu por nenhuma doença, morrera pela idade, já era uma senhora de 96 anos, e sem duvidas já vivera tudo o que podia, não estava mais na solidão, pelo contrário, passara seus últimos anos cercada de tanto amor e alegria que ela jurava não merecer, mais merecia.
No testamento que havia feito, ela deixava todo o casarão e todos os seus bens, inclusive as joias, para Samantha e Ingrid, que mantiveram o casarão de portas abertas sempre, elas diziam que quem precisasse de sua ajuda, ele sempre estaria ali para recebê-los, e sempre esteve. As joias jamais foram tocadas, por nenhuma das duas, o túnel secreto nunca mais fora aberto, e quando as duas vieram a falecer, o velho casarão continuou ali, e as pessoas que o cercavam, mesmo com o mundo completamente evoluído, continuaram e continuam até nos tempos de hoje o mantendo, mantendo sua verdadeira essência viva, mantendo o casarão e suas historias vivas, assim como dona Minerva as meninas também sempre são lembradas. No testamento de Minerva ela dizia: Lembrem-se sempre, nunca julguemos nada pela aparência, olhemos sempre para o interior, para o verdadeiro ser, nunca julgue um livro pela capa, uma casa por sua faixada ou uma pessoa pelo seu rosto, lembre-se que um assassino mata sorrindo.
Sempre que precisar de ajuda, e não saber a quem recorrer o casarão sempre estará ali para recebê-lo, e se não o ver, basta fechar os olhos e acreditar, porque nos sonhos, entramos num mundo realmente nosso, mas não é por ser um sonho, que não pode ser real.



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