Minha estrela.
“Mamãe, quem
era ele?” Tais palavras me fizeram viajar no tempo, lembranças e mais
lembranças rondavam minha mente que agora trabalhava de uma forma que eu já não
via há muito tempo.
-Ele foi a
melhor pessoa que eu já conheci meu filho.
Já era quase
noite quando Bruno me chamou para mais uma de nossas peripécias que haviam se
tornado rotina. Ao ouvir sua voz me chamando, corri para o muro que separava
nossas casas uma da outra.
-Tem certeza
de que deseja fazer isso Luna?
-Se você
esta comigo, tenho certeza mais do que absoluta Bruno.
-Bom, então
daqui uma hora me encontre no portão, saia sem que ninguém lhe veja, já deixei
tudo pronto.
Só concordei
com a cabeça e entrei. Já dentro de casa corri até o quarto de meu primo mais
velho Pedro, que estava preparando para se deitar, lhe pedi mais uma vez
cobertura para que pudesse sair sem ninguém saber, e mais uma vez ele concordou
em me ajudar. Com a ajuda de Pedro garantida, esperei até que todos dormissem e
com a garantia disso, sai de casa na pontinha dos pés. Ao abrir à porta a
escuridão tomou conta do meu olhar, a rua estava em um silêncio absoluto, então
me dirigi até o portão da casa de Bruno que era bem ao lado da minha, ele já
estava lá me esperando. Ajudei a carregar a bolsa que estava pesada.
-Luna, tem
certeza de que não quer desistir? Pode ser perigoso, você sabe disso.
-Ora Bruno,
podemos ter apenas 15 anos, mas estou ciente do perigo que corremos, vamos no
enfiar no meio de uma mata que mesmo durante o dia esconde todos os perigos
possíveis, à noite então nem se fale, mais já cheguei até aqui, não vou voltar
atrás, você me conhece.
-Teimosa.
Ele riu, e então continuamos.
Durante o
dia enquanto conversávamos no muro de nossas casas, Bruno tivera a ideia de
fazer um piquenique, eu concordara sem mais delongas, porém antes mesmo de ele
terminar de falar, ele dissera que queria fazer um piquenique em uma floresta
que havia perto de nossas casas, e o pior, à noite. Na hora pensei em desistir,
mas era incrível como Bruno me transmitia uma segurança que eu não sentia com
ninguém. Então aceitei. Já passava das onze quando começamos a subir o morro,
árvores e mais árvores gigantescas nos faziam se sentir pequenos pontos em meio
à escuridão. Ele segurava minha mão e quando eu ameaçava escorregar ele a
apertava para que eu mantivesse o equilíbrio. Caminhamos por pelo menos vinte
minutos até que encontramos uma velha cabana que havia no meio da floresta, já
a conhecíamos de outras aventuras, entramos e nos acomodamos. Ele acendeu
pequenas velas, e as pôs do lado de fora da cabana, nossa cidade fazia muito
frio à noite, e por isso Bruno se preocupou em levar alguns cobertores para nos
aquecermos. Quando tudo já estava pronto, toalha a posta no chão, algumas
frutas, biscoitos e chocolate quente, nos sentamos, pegamos alguns cobertores,
e ficamos perto das velas que Bruno havia acendido. Naquela noite o céu se
encontrava estrelado, sentados lado a lado olhamos para o céu e mesmo em meio a
árvores gigantescas conseguíamos ver várias e várias estrelas que brilhavam
fortemente.
-Sabe Luna,
um dia se você quiser, vou buscar uma especialmente pra você.
Ele me disse
com tanta certeza e convicção que não discuti, encostei minha cabeça em seu
ombro e ele como sempre fazia passou a mão em meus cabelos lisos e ficamos ali
daquela forma pelas longas horas que se passaram. Já era tarde quando
resolvemos voltar pra casa, apagamos as velas, dobramos os cobertores, e
seguimos pela mesma trilha que nos levou até a cabana. Chegamos ao portão de
sua casa e nos despedimos, prometendo nos ver logo cedo como já era de costume.
Entrei e fui para meu quarto e de meu primo, preocupado como sempre, ele ainda
estava acordado, além de primo ele era como um irmão mais velho que eu não
tive. Conversamos por alguns minutos então adormeci. Já era tarde quando
acordei, e me senti totalmente indisposta, tinha algo errado comigo, acordei
meu primo que ainda dormia, ele se dirigiu até minha cama, mediu minha
temperatura e confirmou o eu já sentia, estava com febre, e ela estava nas alturas.
Minha cabeça doía, e eu sentia minha garganta fechar. Acho que a aventura
noturna não tinha me feito tão bem assim. Meu primo correu para chamar minha
avó que ajudaria a cuidar melhor de mim, afinal, nós dois juntos não resolveria
nada. Tomei alguns remédios e a única prescrição foi que eu repousasse. Já era
quase a hora do almoço quando Bruno me chamou, meu primo foi lhe chamar e
manda-lo entrar, estava na sala deitada em meu colchão quando ele apareceu com
uma caixa de bombons e algumas flores em mãos, bobo, ele sabia o quanto eu
odiava flores, e mesmo assim insistia.
-Me
desculpe, não queria que nossa noite de aventuras lhe deixasse assim, a culpa é
minha.
-Não, a
culpa não é sua, é só uma gripe, já vou melhorar, e se não quiser pegar acho
bom não ficar muito perto.
-Boba, como
se eu fosse lhe deixar quando você precisasse de mim. Você sabe que eu não
seria capaz. Anda, chega pra lá, o que queres fazer?
-Não está
passando nada na TV, gostaria de ler um pouco, mas minha cabeça dói muito.
-Posso resolver
o seu problema, olhe o que eu trouxe.
Nesse
momento ele puxa de sua mochila um livro, e quando vejo que livro que era só
podia confirmar que ele era um anjo, na verdade meu anjo.
-Bom, quando
seu primo me disse que como você estava, resolvi lhe fazer uma surpresa. Vou
ler para você hoje, e sei o quanto isso é importante pra você, posso?
Não tinha
como negar, Bruno estava prestes a começar a ler Harry Potter e a Pedra
Filosofal para mim, sempre querendo me deixar bem. Com sua voz suave e
tranquilizante ele começou a ler, quando notei já tinha pegado no sono. Acordei
algumas horas depois e como num sonho olhei para o lado e ele ainda estava lá,
como sempre com as mãos em meus cabelos, me fitava com aqueles olhos negros que
ao invés de transmitir escuridão me faziam enxergar anos e anos de alegria ao
seu lado. Conversamos um pouco, ele não saíra do meu lado em nenhum momento,
ele leu mais um pouco, depois preparou minha comida e me levou os remédios. Já
era tarde quando ele fora embora.
Uma semana
se passou e então eu melhorei, por volta de uma da tarde, ele me gritou, fui
até o muro ver o que ele queria, e naquele dia o pedido era diferente, ele me
convidou para jogar bola no campo de futebol que havia perto de nossa casa. Ele
sabia que eu era um completo desastre em campo, mas estávamos de férias, não
custava nada, então topei. Sai pelo portão e com menos de cinco minutos
chegamos ao campo. Ele havia levado a bola, me mandou ir até a marca do pênalti
para tentar marcar alguns gols, tudo em vão, mesmo ele facilitando as coisas
pro meu lado a brincadeira não deu muito certo. Então partimos para uma disputa
corpo a corpo, muitas e praticamente todas às vezes ele deixava com que eu
ficasse com a bola, e quando finalmente marquei meu primeiro gol, a comemoração
fora a mesma de que em uma Copa do Mundo onde qualquer gol poderia ser
decisivo, ao ver que a bola tinha entrado corri para seu abraço, aproveitando a
situação, ele passa a me fazer cócegas, como sempre, tudo para me ver sorrir.
Aquele dia fomos para casa, mais felizes do que nunca, nossa amizade era assim,
pura, tranquila, harmoniosa. Porém nossas férias estavam acabando, no outro dia
eu teria que ir para a casa, então combinamos de passar a noite juntos, como
sempre fazíamos, só a observar o céu, que continuava lindo como sempre. Mal
podia imaginar que aquela seria nossa ultima noite. Rimos, brincamos, e
observamos o céu, acho que o céu sempre nos acompanharia, quando éramos
pequenos acreditávamos que iriamos juntos para lá. Crianças.
No outro dia
bem cedo acordei, e ele fora se despedir antes que eu fosse embora, conversamos
durante pouco tempo até que meu pai chegou e então eu parti. Perdemos o contato
por alguns dias e só depois de umas duas semanas ele me telefonou, disse que na
noite seguinte estaria indo para minha cidade passar alguns dias, nada pode
descrever tamanha felicidade ao ouvir tais palavras. Comecei imediatamente há
contar as horas para vê-lo, quando me lembrei de que ele só chegaria ao outro
dia, resolvi dormir. Adormeci sem muitos problemas, acordei com meu telefone
tocando, cedo demais para ser ele, pego o celular e era minha mãe, o que ela
poderia querer?
-Fala mãe.
-Deita a
noticia não vai lhe fazer bem.
-Mãe você
esta me preocupando, anda, fala logo.
- O Bruno
queria lhe fazer uma surpresa, então resolveu ir mais cedo para te encontrar,
então ele e um primo saíram de carro hoje de madrugada, mas algo deu errado, no
meio do caminho em uma curva perigosa, um caminhão se colocou na frente do
carro em que eles estavam, e bem, eles não conseguiram desviar, o caminhão
jogou o carro para a ribanceira, e ele rolou até que finalmente parasse, quando
os bombeiros chegaram já era tarde demais, Bruno estava morto.
Aquilo foi à
coisa mais dolorosa que eu já havia ouvido em toda a minha vida, um filme de
nossa história se passou por minha cabeça, não acreditava no que acabara de
ouvir, meu anjo, que estava comigo desde que nasceu, havia me deixado, não por
escolha própria, mas por uma força do destino. Minha primeira e única reação
foi largar o celular e chorar, chorei como nunca havia chorado antes, as
lágrimas rolavam por meu rosto com uma facilidade imensa, lembrava-me de seu
semblante, sua face que me encantou durante tantos anos, a face verdadeira de
um anjo, lembrei-me de nossas brincadeiras, nossas aventuras, nossos jogos de
futebol, todos os momentos. Ele havia feito parte de minha história, e o pior,
de mim, ele era minha metade. Agora ele não me daria mais alguma estrela
daquele imenso céu. Mais ele se tornara a estrela mais brilhante de todas, e
naquela noite eu tive plena certeza disso.
Parti para
seu velório no mesmo instante, na estrada ainda pude ver as faixas amarelas que
marcavam aonde tinha sido o acidente, pedira ao meu pai para parar, minha fixa
ainda não havia caído, mais ao ver o carro jogado lá embaixo, novamente não
pude conter as lágrimas, era real, eu não iria acordar de mais um de meus
pesadelos. Continuei a viagem até chegarmos à cidade de minha avó, não parei
com ninguém, corri direto para o cemitério, ao chegar lá e ver seu lindo corpo
sem nenhum arranhão se quer não pude acreditar que ele estava “morto”. Ele
parecia um lindo anjo adormecido, que iria acordar a qualquer momento, olhar
para o lado e sorrir novamente pra mim, mas minhas esperanças de que isso
acontecesse fora diminuindo com o passar das horas. Sua mãe não saíra do meu
lado durante todo o tempo, e a pior parte foi quando tive que lhe ver sendo
enterrado, seu corpo, de certa forma tão vivo, tão lindo, e angelical, estava
indo para debaixo de uma terra tão fria, tão sozinha, tão solitária. Eu nunca
mais o veria. E nunca mais o vi.
Ir para a
nossa cidade se tornou cada vez mais difícil, as lembranças eram muito fortes.
Muitos anos se passaram então, eu segui minha vida, claro que sempre me
lembrarei dele, com as melhores lembranças possíveis, ele sempre vai estar vivo
em minha memória. Hoje, depois de anos resolvi voltar aonde minha história com
ele começou. Onde eu vi a maior amizade do mundo todo nascer, crescer e jamais
terminar. Volto à casa de minha avó, onde passei toda minha infância, minha
adolescência, olho para o lado e o muro ainda está ali, a casa dele ainda está
ali, e sua mãe já de cabelos grisalhos ainda sorri para mim da janela, vejo
seus olhos brilharem e uma lágrima escorre dos meus, quando volto de um passeio
pelo tempo, me deparo com o rosto de meu filho sentado no muro, o muro que fora
ponto de encontro com Bruno durante anos, agora eu via meu pequeno sentado ali,
lá com seus 3 anos ele admirava uma foto que meu melhor amigo trouxera de
dentro de casa. As lágrimas se tornavam mais fortes agora, então meu filho olha
para seu tio Arthuildo, e só então a história é compartilhada.
-Mamãe, olhe
para o céu, ele é sua estrela agora.
Sinto o
abraço de meu irmão que só confirma o que há anos atrás Bruno havia me dito.
-Ele te deu
uma estrela irmã, ele se tornou a sua estrela, e é ele que te guia e te
protege, desde o dia em que se foi.
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