Jamais deixei de amar você.


Me pego perguntando se eu podia ter feito alguma coisa, e se tivesse feito se algo teria sido diferente. Tudo estava bem como sempre esteve, nossa vida ia de boa a melhor, nos dias de chuva fazíamos tudo ficar colorido e assim prometia ser por muito tempo. Conhecíamos havia um pouco mais de um ano e éramos apenas amigos, mais do que amigos, irmãos. Não deixávamos nossa vida cair numa rotina chata, a cada dia que passava era algo diferente para se fazer. Logo cedo ele passava em minha casa para irmos para a escola juntos, como sempre ele era pontual, e eu teimava em me atrasar só para vê-lo impaciente, era algo que eu gostava, a forma como ele me apressava o deixava com uma aparência deslumbrante, seus olhos brilhavam e ele olhava de segundo em segundo para seu relógio, quando eu finalmente terminava ele dizia –Nossa, até parece que vai para alguma festa, bom dia. E então partíamos para a escola. No meio do caminho lhe enchia com minhas conversas chatas, praticamente não o deixava falar e eu mal respirava entre uma palavra e outra. Dizia a ele o quanto ele era feio, irritante, e o quanto sua presença me incomodava, e ele só ria, pois sabia que aquilo jamais seria verdade saindo de minha boca. Passávamos em frente a lojas de roupas e fazia o parar em todas, dizia a ele que queria tudo, queria a blusa, a saia, e ele teimava em discutir comigo que eu já tinha alguma peça parecida em meu guarda roupa, mais para irrita-lo eu era capaz de tudo, até mesmo de dizer todos os dias o quanto queria tal roupa que realmente eu já tinha em meu guarda roupa. Chegávamos à escola e tínhamos que nos separar, ele era de uma turma e eu de outra, às vezes para provoca-lo passava no corredor e fingia que nem o conhecia e mal para seu rosto eu olhava, mas sabia que ele estaria queimando de raiva por dentro. Poucos segundos se passavam e meu celular apitava, era sempre uma mensagem dele dizendo- Então é assim? Tudo bem, não precisa me procurar mais. Nem me dava ao trabalho de responder, pois sabia o que iria acontecer na saída. O sinal avisava que as aulas haviam terminado, arrumava meu material e descia as escadas, e como todos os outros dias lá estava ele esperando-me, me fitava dentro dos olhos e não conseguia conter o sorriso, eu me aproximava e era sempre a mesma frase- Não sei porque, mas não consigo lhe deixar sozinha. Então ele me abraçava e mais uma vez percorríamos o trajeto que já havíamos feito tantas e tantas vezes. Ele me deixava na porta de casa só para garantir que eu estaria realmente bem quando ele virasse as costas, então ele me abraçava e sussurrava baixinho que era para eu me cuidar quando ele não estivesse por perto para fazer isso. Então eu fingia entrar, e quando ele virava as costas eu voltava para a porta e o via se afastar aos poucos, não sei explicar, mas aquilo era bonito de se ver. Nossas tardes juntos não poderiam ser melhor. As vezes marcávamos de estudar em minha casa, e eu insistia para que ele aprendesse a redigir um texto, ele tinha uma criatividade incrível, mas não sabia transformar aquilo em palavras. Todos os dias o chão de minha sala se transforma em lixo, devido a tantos papeis que ele rasgava e jogava no chão na tentativa de escrever algo bonito, sempre em vão. Certo dia ele saiu de minha casa tão irritado que mal o reconheci, ele dizia não ser capaz, e nunca tinha o visto dizer aquilo, pois ele batia na tecla de que todos são capaz daquilo que quisermos. Naquele dia não telefonei e nenhuma mensagem mandei, não sabia se o incomodaria nem como ele estaria naquele momento, porém para a minha surpresa, quase na hora de dormir ele me ligou, disse que tinha conseguido, o sono era tanto que não me permitiu entender o que ele dizia, então pedi para que ele explicasse melhor, e ele disse que conseguiu redigir seu primeiro texto e estava muito orgulhoso de si mesmo. Seu tom de voz era adorável, notava-se de longe o quanto ele estava feliz com aquilo, e com certeza eu estava muito feliz por ele. Ele disse que queria me mostrar o texto o mais rápido possível, então já estava indo para minha casa, eu disse que estava tudo bem e pouco tempo depois ele avisa que havia chegado nos sentamos na escada que havia embaixo de minha casa e ele começou a falar que o texto não estava muito bom, e que ele tinha certeza que eu não gostaria, mas ele queria que eu lesse. Não respondi uma palavra se quer, tomei o papel de sua mão e me pus a ler, para minha surpresa e surpresa dele, logo nas primeiras linhas lágrimas escorrem de meu rosto, jamais esperei ler uma história tão linda vinda dele. Justo ele que com toda sua pose de machão, e sem coração, acabara de escrever um texto onde se declarara para alguém, um texto romântico vindo dele era a maior e melhor surpresa que eu poderia ter. No final do texto já soluçava de tanto chorar, características deles eram explicitas naquele texto, ele não escrevera felizes para sempre no final, pois não acredita nisso, porém de acordo com ele tudo estava bem. Então ali naquela escada sob o céu que naquela noite estava totalmente estrelado o abracei e me pus a chorar como nunca havia chorado em teu ombro antes, ele me perguntara por diversas vezes se estava tão ruim assim ao ponto de eu não conseguir me conter, e quando finalmente consegui sorri, olhei firme dentro dos olhos dele e disse que aquela era a história mais bonita que eu já tinha visto em toda a minha vida. Não duvidei em nenhum momento que tinha vindo dele, mas estava tão feliz e orgulhosa que não parava de dizer a ele o quanto estava feliz por ele ter conseguido. Ficamos conversando por mais um tempo então eu disse que estava com sono e iria entrar, pois ainda teríamos aula no outro dia, ele concordou e então me entregou a folha em que estava o texto e disse que era para que eu guardasse e independente de qualquer coisa, nunca me esquecesse dele e nem de quando ele foi capaz de fazer aquilo que ele mesmo duvidou que fosse capaz. Sorri e entrei, sabem aquela noite fui dormir mais feliz, já tinha um imenso orgulho dele por tudo o que ele havia enfrentado na vida, mais vê-lo tão realizado com um simples texto, algo que para ele era tão difícil, foi muito gratificante pra mim. E como todos os outros dias, atrasada como sempre ele estava lá, tão lindo impaciente a me esperar, para partirmos para a escola novamente. Porém chegando a escola nesse dia, em vez de nos separarmos algo nos manteve unido, sem deixar para que eu ou ele fossemos para qualquer lado. Subimos a escada como sempre, e chegando à sala ele desmaiou, não pude conter o desespero, fora tão de repente, num instante ele estava rindo de mais uma de minhas piadas idiotas e no outro estava ali, esticado na minha frente desmaiado. A diretora chegou perto e perguntou o que havia acontecido, não conseguia falar, chorava de soluçar, já estava vermelha e sem ar, achei que fosse desmaiar também, então eu lembrei, não eu não posso, ele precisa de mim agora. Mantive-me firme, sequei minhas lágrimas o mais rápido que pude e fiquei do seu lado. A ambulância chegou e implorei para ir junto, o médico em nenhum momento negou meu pedido, deixei minha mochila com uma amiga e entrei na ambulância e então partimos para o hospital. Tentava de todas as formas falar com sua mãe mais era em vão, seu celular só dava fora de área, seu irmão estava jogando em outro estado, ele só tinha a mim naquele momento. Não saia de seu lado por nada e nenhum segundo, as enfermeiras diziam que eu poderia dar uma volta, tomar uma água, mas não, isso eu negava, de jeito nenhum sairia do lado dele. Foi quando o médico se aproximou de mim e disse que eu teria de ser forte- Querida, seu amigo, quero dizer, seu irmão, não esta nada bem, fizemos todos os exames e comprovei o que eu imaginava, ele tem câncer. Naquele momento meu mundo caiu, câncer, aquilo não era uma simples pressão baixa ou falta de comida, meu melhor amigo, meu anjinho, minha vida, tinha câncer, naquele momento senti que minha vida não fazia mais sentido, o filme de nossa história se passou pela minha cabeça, e o que estava por vir também, o que seria de mim caso ele partisse? Como eu poderia viver? Naquela hora cansei de ser forte, as lágrimas começaram a escorrer e o médico acolheu-me num abraço protetor, não me senti muito segura como se fosse num abraço dele, mas senti que ele faria de tudo para deixar meu irmão bem. Os dias foram passando e nossa rotina mudou. Não era mais acordar cedo e vê-lo esperar-me irritado por estar atrasada, mais sim acordar cedo para mais uma de suas sessões de quimioterapia, acordar cedo e vê-lo naquela cama daquele hospital que agora se tornara nossa casa. Lembro-me do dia em que seu cabelo começou a cair, ele era vaidoso e todos sabiam disso, não eu não podia deixa-lo passar por aquele momento tão doloroso sozinho. Ele disse que não queria ver aquilo aos poucos, então que fosse tudo de uma vez. Naquele dia fomos ao salão, e nós dois dissemos que queríamos raspar a cabeça, lembro-me bem de seu espanto quando disse tais palavras, eu amava meu cabelo, mais o amava acima de tudo. Então algo que era pra ser triste e doloroso virou algo divertido, enquanto as mechas de nossos cabelos iam para o chão ao mesmo tempo, brincávamos de fazer caretas um para o outro, e parecia que toda dor tinha ido embora. Voltamos para o hospital e o espanto foi geral quando me viram também sem cabelo, eu ri e disse- Gente, é cabelo, cresce. E o dia passou. Um dia após o outro a vida continuava, tentávamos deixar tudo o máximo que podíamos alegre e bem, mas ninguém podia negar que seu estado era grave, então um dia o médico me chamou em um canto e disse- Nos perdoe, mas fizemos de tudo, não podemos mais prolongar a vida dele, é doloroso para nós também mas ele pode partir a qualquer momento. Não chorei me contive, e voltei para o quarto. Aquela noite não dormi, o admirei como nunca havia feito antes, vi o quanto sua respiração era calminha, e o deixava sereno em meio a tantos aparelhos que o cercavam, ele dormia feito um anjo, nunca vi um anjo, mais sabia que ele era até mais bonito que um. No dia seguinte para meu espanto ele acordou antes de mim, sussurrou meu nome e fui até sua cama, e para minha surpresa ele disse- Irmã sei que não vou sobreviver, eu sinto isso, mas quero lhe pedir uma coisa, quero jogar bola. Não acreditei no que ouvia, mas atendi seu pedido. Avisei ao médico que o levaria no campo perto do hospital, peguei uma bola e fomos, e pela primeira vez o vi sem habilidade alguma naquilo que ele era mestre em fazer. Ele me pediu para ir para meu lugar, que sabíamos muito bem que era o gol, pois era goleira, fui, e quando o vi se equilibrando, focando o gol, não pude conter minhas lágrimas. Sorri e então ele chutou, admirei a bola entrar no gol sem ao menos me mexer, ele então se encheu de vida novamente, vi aquele sorriso que eu tanto amava e ele disse- Finalmente pude fazer um gol novamente. Fui ao encontro dele e lhe dei o maior abraço do mundo e o mais apertado também. Ficamos no campo o dia inteiro jogando, no fim da tarde ele disse que estava cansado mas não queria voltar para o hospital, então sentei na grama e disse para que ele deitasse no meu colo. Vimos o céu se encher de estrelas e ele disse- Olha aquela lá a mais brilhante, lembra-se dela? Claro que eu me lembrava, era a minha estrela, a que ele tinha me dado de presente há um ano. Apontei para a que eu dei a ele, e então ficamos montando animais nas estrelas, rindo que nem bobos. Ele me olhou no fundo dos olhos e me agradeceu, por toda nossa história e por nunca tê-lo abandonado, eu disse que não tinha feito mais que minha obrigação como sua irmã. Ele me pediu o texto que ele havia feito, pois ele sabia que eu sempre carregava comigo, então ele disse- Sabe, não conte para ninguém, mas esse casal do texto somos nós, ao menos o que eu queria que nossa história tivesse sido, sabe, eu sempre te amei, mais preferi tê-la, como amiga, do que lhe confessar que te amava e lhe perder. Sorri e foi o que consegui fazer, disse que o amava da mesma forma, mas que não devíamos falar sobre aquilo naquela hora, foi quando ouvi um sussurro mais forte vindo dele, o olhei no fundo dos olhos mais lindos que eu já havia visto e ele disse- Sempre estarei com você, eu te amo. E fechou os olhos. Não digo que ele morreu, porque ele sempre estará vivo em meu coração e na memória de todos os que o amaram e conheceram, mas ele adormeceu eternamente ali em meus braços, e suas ultimas palavras foram as que eu sempre esperei ouvir, naquelas despedidas do corredor na escola, nas despedidas na porta de casa, ou nos nossos abraçados prolongados. E aqui hoje olhando para o céu, para a sua estrela, tenho orgulho de dizer que jamais deixei de amar você.

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